É
fato conhecido que muitos consumidores jamais poderão adquirir a maior
parte dos produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo. Por mais
que o sistema financeiro consiga, cada vez mais, oferecer crédito para
uma ampla camada da população, muitos objetos do desejo dos consumidores
continuam e continuarão inacessíveis.
Há
muito a ser dito a respeito disso, mas o que interessa neste artigo é o
elemento psíquico: o que o marketing, que oferece esses bens de difícil
aquisição alimenta, de fato, é a frustração (Alguns entendem que a
frustração é boa para o mercado, pois, como o consumidor não consegue
preencher seu "espaço interior" adquirindo mercadorias, nunca para de
comprar na tentativa - vã - de apaziguar sua alma).
Além
disso, como esses consumidores – já frustrados ou que ainda se
frustrarão – são seres humanos, têm, dentro de si, uma coisa chamada
esperança. Daí, vivem a ilusão da possibilidade de um dia realizar seu
sonho de aquisição – qualquer que seja ele. Assim,
de frustração em frustração o consumidor vai preenchendo o vazio de sua
esperança; se olhar para trás, verá o quanto não conseguiu obter.
Mas,
a esperança é forte e a ilusão também. Por isso, ele acredita na sorte e
participa de todo tipo de jogos para ganhar prêmios (estes ironicamente
chamados de "jogos de azar"): loterias, cassinos (quando e onde há),
entra em concursos de todo tipo, adora promoções, sorteios, etc. Isto é,
o consumidor é presa fácil das ofertas que prometem uma vida melhor e,
de preferência obtida rápida e facilmente.
Visto
desse modo, é possível afirmar que a esperança é uma espécie de
"produto" não declarado e escondido por detrás das ofertas que abundam
no mercado, dando sustentação à mensagem: a esperança de, passando um
creme, ficar com a pele mais bonita ou mais saudável; de, usando um novo
xampu, ficar com os cabelos mais sedosos; a esperança de, usando uma
certa roupa, ficar mais bonito ou mais bonita ou de fazer sucesso com o
carro novo; a esperança de, com todos esses apetrechos conseguir
conquistar um grande amor; e depois constituir família; daí, adquirir a
casa própria; pagar prêmios de seguros para garantir o próprio futuro e,
também, o da família; poupar de forma adequada para conseguir chegar
nesse futuro e ter tempo ainda de gozar a vida, etc., etc. O mercado
oferece o futuro de uma vida melhor.
Mas,
como eu disse, o consumidor tem pressa. Aliás, foi o próprio mercado
que aumentou a velocidade das coisas, das compras e da própria vida a
ser vivida: velocidade real e virtual; não há tempo para nada; nem se
pode perder tempo algum. Recebe-se à vista e paga-se a crédito, a perder
de vista. Não é incomum que o consumidor adquira um presente para o Dia
das Mães num ano e acabe de pagar no mês anterior ao dia das mães do
ano seguinte, quando, então, tem de entrar em
novo crediário. E, claro, isso vale para qualquer data e muitos
produtos. Há consumidores que já nem tem mais o próprio automóvel, que
foi vendido para fazer frente às dívidas por ele - automóvel - criadas e
continua pagando as prestações de seu financiamento. Como é que diz
mesmo a propaganda?: "Compre agora e só comece a pagar daqui a três meses". Esperança, com alguma coisa palpável...
Essas
características são muito conhecidas dos fornecedores, o que torna o
comportamento dos consumidores previsível. Ao calcular uma campanha
promocional ou um grande evento, o empreendedor sabe, de antemão, com
alto grau de probabilidade, qual será o comportamento do consumidor. Ele
sabe, por exemplo, que, se mexer com certos pontos dos desejos,
necessidades e interesses dos seus potenciais compradores obterá êxito
na empreitada. Veja o caso do "feirão de imóveis" que uma grande
instituição financeira faz todo ano (e realizou novamente no último fim
de semana): por absurdo que pudesse parecer, sempre dá certo (Nesse 8º
"feirão" foram movimentados mais de quatro bilhões de reais!).
O
consumidor, desprotegido, é transparente, fácil presa desse tipo de
iniciativa. Meu amigo Outrem Ego ao perceber que, na semana passada,
estava anunciada mais uma promoção de venda de imóveis desse tipo,
disse: "Sempre que vejo isso, me vem a imagem do marido que diz pra sua mulher numa sábado à tarde: 'Querida,
vamos dar uma saidinha? Vamos até o shopping, pois eu preciso comprar
uma gravata e vou te comprar uma bolsa. Depois, na volta, já que estamos
no caminho, nós aproveitamos e compramos um apartamento de três quartos
porque este aqui com dois está pequeno demais'".
É
mesmo desanimador. O chamado "feirão da casa própria", promovido nos
últimos anos, é um esquema de vendas que acabou vingando. Essa
instituição torra milhões de reais em anúncios espalhados na mídia, num
tipo de oferta que envolve o consumidor em seus temores, anseios e
esperanças. Ademais, nessa questão, surge o problema da desinformação,
pois o comprador está agindo contra as cautelas normais e necessárias
que se exige nesse tipo de transação.
Tem
razão o meu amigo: uma casa ou um apartamento não devem jamais ser
comprados numa exposição de fim de semana, como se a pessoa estivesse
comprando frutas na feira livre ou numa liquidação tipo queima de
estoque de roupas ou sapatos. A casa própria é,
para a grande maioria dos consumidores, o mais importante (e mais caro)
negócio da vida inteira. É a realização de um sonho e, por isso, deve
ser tratado com a reflexão e o carinho que merece.
Indo
numa dessas "promoções", o consumidor corre o risco de comprar um
imóvel por impulso, sem qualquer avaliação objetiva, pois, quando chega
ao local, sofre todo tipo de pressão e influência dos vendedores, cujo
maior interesse é vender, fechar um bom negócio com polpudas comissões.
Para o comprador, fica, às vezes, a frustração (mais uma e essa
praticamente definitiva) de morar onde não tinha exatamente planejado e,
ainda por cima, endividado pelo compromisso assumido de longo prazo
(10, 15, 20 anos ou mais).
Ora,
é fato conhecido que, antes de se comprar um imóvel, é preciso
conhecê-lo, examinando-o para ver se ele atende às necessidades e
expectativas. Deve-se vistoriá-lo não só de dia, no horário marcado pelo
corretor ou vendedor, mas também em outro período, procurando conhecer
as condições da vizinhança à noite – barulhos, trânsito, feira livre,
etc. É importante conhecer a região para ver se ela oferece aquilo que o
comprador precisa, como escolas, farmácias, supermercados, etc.
Aliás,
esse tipo de operação rouba mercado dos próprios advogados, que
deveriam ser sempre consultados antes do fechamento desse negócio. Não
só há necessidade da produção e exame de certidões forenses e do
Cartório do Registro Imobiliário, como da avaliação de todas as
peculiaridades daquela específica operação jurídica. Por exemplo, a
compra de imóvel por empreitada ou preço de custo ou feita pelo Sistema
Financeiro de Habitação, etc. envolve aspectos bem diferenciados. Em
alguns casos é preciso inclusive checar se não há projeto para
desapropriação do local: se o imóvel está localizado numa rua importante
ou perto de estrada ou área de manancial, etc. É preciso saber, ainda,
em alguns casos, se a área não é de proteção ambiental, etc.
Lembro,
naturalmente, que cada situação comporta componentes próprios de
avaliação que devem ser levados em consideração, além das preliminares e
genéricas que apresentei. As questões concretas e particulares devem,
por isso, ser levadas a um advogado especialista que, como já disse,
deve intervir em contratos de compra e venda desse tipo.
É
uma pena. O capitalismo é muito selvagem, ganancioso e egoísta e o
consumidor - vítima frágil do modelo - jogado a própria sorte,
apresenta-se cada vez mais desesperado, correndo atrás do futuro de
bem-estar decorrente da aquisição de produtos e serviços que não chega
(quero dizer, pelo menos não chega para muitos milhões de consumidores).
* Rizzatto Nunes
Desembargador do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.
Esta matéria foi colocada no ar originalmente em 10 de maio de 2012. ISSN 1983-392X
Extraído de http://www.migalhas.com.br/ABCdoCDC/92,MI155123,101048-O+capitalismo+selvagem+e+os+consumidores+desesperados
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